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Indução de investidor a erro: Crime contra a economia nacional

É comum ao raciocínio pedestre acreditar que, quando se lesa investidores, o prejuízo é apenas destes. Errado.

Capital Aberto
Aurélio Valporto
08/06/2015

Petrobras

 Indução do Investidor ao Erro – Crime contra a Economia Nacional

  

 É comum ao raciocínio pedestre acreditar que, quando se lesa investidores, o prejuízo é apenas destes.  Errado.

 

 A forma mais recorrente utilizada por criminosos que atuam no mercado financeiro é a indução ao erro, através da divulgação e falsos dados sobre os negócios da empresa. Esta indução ocorre, necessariamente, faltando com o princípio basilar da governança, a transparência, indicando aos investidores perspectivas de retorno, e/ou risco, enganosas, incompatíveis com a realidade do empreendimento. Quando esta realidade, divergente do que é divulgado, vem à tona, invariavelmente é tarde demais e os eventos que daí se sucedem acabam levando os investidores a pesadas perdas com a desvalorização de suas ações. Ao passo que aqueles que arquitetaram o crime lucram com esta mesma desvalorização, normalmente em nome de laranjas localizados no exterior.  Mas, em geral, este tipo de crime, que no Brasil é capitulado no artigo 6º da lei 7.492/86, não causa grande indignação popular, justamente pela crença de que as vítimas são os investidores privados, ou especuladores, um grupo que não é visto com bons olhos pelo cidadão comum, por desconhecer a sua importância.   

 

Quanto maior for a razão “expectativa de retorno/risco”, maior volume de recursos financeiros dos investidores serão carreados para dado investimento. E esta é a forma com que as modernas economias monetárias sinalizam quais os setores estão, prioritariamente, necessitando de investimentos para atender à sociedade. Daí, é intuitivo que quanto maior a demanda em relação à oferta em dado setor da economia, maiores serão os lucros das empresas que estão atuando nele e, consequentemente, maiores serão as expectativas de retorno aos investimentos feitos para ampliar a capacidade de oferta, atendendo assim aos anseios da sociedade e ampliando sua riqueza material, o produto. Desta forma, convergem então o interesse da sociedade por maior oferta de dado produto com a busca dos investidores por melhores investimentos para suas poupanças.

 

Mas, as poupanças reais que serão usadas nos investimentos são mesmo destes investidores?

 

 O cidadão comum costuma crer que o poupador deixou de consumir no passado para que, no futuro, transforme esta poupança em demanda, seja consumindo, seja investindo. Seria como as formigas que poupam no verão, levando para o formigueiro mais do que consomem, estocando comida para que consumirem no inverno. Ou investindo, como um náufrago numa ilha deserta, que pesca dois peixes por dia com as mãos, mas em um esforço de faquir come apenas um dos peixes, para que possa parar de pescar por dois dias - alimentando-se dos peixes poupados- e neste período investir na construção de uma rede, um bem de capital. Com esta rede ele poderá expandir sua produção para 20 peixes por dia, por exemplo, aumentando a renda e capacidade de poupança. Mas não é assim que as coisas ocorrem em um agregado econômico e monetário moderno.

 

 Nos modernos agregados, a poupança feita em um instante por um agente econômico é demandada naquele exato instante, caso contrário haveria um indesejado aumento de estoques de bens e queda na produção de serviços, que acabaria levando à recessão. Então aquele que poupa em um instante econômico, chamemos de “t0”, recebe como contrapartida uma “poupança financeira” em troca daquela poupança feita na economia real, que são os bens e serviços que deixou de consumir. Esta poupança financeira pode ser representada por toda sorte de ativos financeiros, inclusive moeda (CDBs, LFTs, dinheiro guardado etc.). Quando este poupador, agora no papel de investidor, resolve investir em um determinado setor da economia, ele está na verdade direcionando a poupança que o agregado está fazendo -ou seja, o que outros estão deixando de consumir- naquele instante em que os investimentos estão sendo feitos, chamemos de “t1”. Em outras palavras, quem direciona a alocação da poupança nacional é o investidor. É ele quem decide para onde será carreada a tão escassa poupança disponível para a economia.

 

Por estes motivos que se faz tão necessária a transparência nos empreendimentos, a fidedignidade dos dados passados aos investidores. É para que o investidor possa, com sabedoria, utilizar a poupança à disposição da economia nacional, resultando daí o máximo possível de bem-estar, criação de empregos e ampliação da renda. Como resultado de todos os impactos diretos e indiretos que estes investimentos trazem para a economia, temos o efeito multiplicador da renda, bem como o impacto exponencial na dinâmica macroeconômica dali em diante. É como no exemplo do nosso náufrago acima, se ele for bem sucedido em desenvolver a tecnologia necessária e construir a sua rede, sua renda terá um salto, a riqueza dali proveniente vai propiciar a construção de uma balsa, pescar ainda mais e assim sucessivamente.

 

Inversamente, quando o investidor é induzido ao erro, fazendo que avalie ser uma boa oportunidade o que é de fato uma armadilha, ele direciona parcela da escassa poupança da sociedade para investimentos ruinosos, colocando a perder recursos que poderiam estar sendo bem investidos em outros setores necessitados. A perda desta poupança não só causa prejuízos à economia por ter deixado de investir em setores que de fato atenderiam à sociedade, mas pela perda de todos os efeitos multiplicadores da renda daí resultantes e seu impacto negativo sobre a dinâmica macroeconômica subsequente. Isto debilita todo o futuro da economia.           

 

Este tipo de crime tem entre os investidores suas menos importantes vítimas. Dificilmente encontraremos um acionista minoritário lesado passando fome por ter sido vitimado. Quem mais perde é a economia nacional e as maiores vítimas individuais são aqueles que nunca aplicaram um centavo em ações e que, provavelmente, não fazem nem idéia do que seja “indução do investidor a erro”. São aqueles que perderam renda em suas biroscas, os  que não conseguem emprego, aqueles que morreram por falta de remédios ou as crianças natimortas, cujas mães não tiveram condições adequadas para o parto etc..

 

A indução de investidor a erro é, portanto, um crime de gravíssimas consequências para a economia, para sociedade e para o futuro do País. Embora o crime de indução do investidor a erro esteja claramente tipificado na lei, jamais houve uma só condenação de administrador de empresa aberta brasileira. Certamente por falta de entendimento, de especialização, tanto de magistrados como de procuradores. Se todos tivessem consciência dos danos à sociedade, quem cometesse tal crime seria julgado por homicídios em massa.

 

Aurélio Valporto

Presidente da ABRADIN

Economista com mestrado em finanças, operador de pregão sênior FGV/BVRJ            

 

Leia a vertsão final em: 

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