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E a Petrobrás “entrou para a OPEP…”

A politica de preços da Petrobrás Prejudica o país

Monitor do Mercado
Aurélio Valporto
02/05/2022

Petrobras

E a Petrobrás “entrou para a OPEP…”

 

AURÉLIO VALPORTO (*)

Aurélio Valporto (Foto: Abradin)

O mês de março foi marcado pelo debate em torno da Petrobrás, na primeira metade houve anúncio de aumento recorde de preços da empresa, no final do mês houve a demissão do presidente Joaquim Luna, que seria substituído pelo economista Adriano Pires. Este, por sua vez, envolvido em polêmicas, acabou desistindo do cargo, sendo então indicado o ex-secretário de petróleo do Ministério de Minas e Energia, José Mauro Ferreira Coelho.

Joaquim Luna foi “fritado” e demitido por conta do aumento recorde anunciado, já que o impacto negativo do reajuste para cima de preços da Petrobrás sobre a economia é enorme. A face mais visível e imediata é a inflação, que é acompanhada pela redução no potencial da atividade econômica do país. E isso é tudo que o presidente da república não quer, especialmente em um ano eleitoral. De fato, após o aumento recorde dos preços da estatal, março de 2022 apresentou a maior inflação mensal para este mês da era do Real, 1,62%, que equivale a uma taxa anualizada de 21,27%. Mais do que isso, o índice de difusão foi igualmente recorde, o que significa que a inflação não foi concentrada em alguns itens, como combustíveis, mas sim espalhada por bens e serviços, refletindo não só o efeito de aumentos passados dos combustíveis sobre a economia, mas também a resposta mais imediata dos preços de outros produtos aos aumentos praticados por produtores de bens essenciais, como a Petrobrás. Esse fato é extremamente preocupante em termos de inflação, porque indica que não está havendo acomodação dos preços relativos aos novos valores de bens básicos, como petróleo e derivados. A não acomodação dos preços relativos é um sintoma da temida “ciranda inflacionária”.

E por que os preços praticados pela Petrobrás são tão importantes? Porque como oligopolista dominante, no oligopólio nacional do petróleo, tem o poder de ditar os preços internos. Na prática atua como um monopolista que, internamente, define os preços a serem praticados no mercado de petróleo e seus derivados, em especial sobre a energia química, os combustíveis fósseis.

Energia é um bem essencial para o funcionamento da economia, sem ela, a economia, um “organismo vivo”, entra em profunda recessão. O instinto de sobrevivência do organismo econômico é o mesmo que o de um ser biologicamente vivo, como você. Se passarem a te cobrar caro pelo ar que respira, você vai pagar, mas sacrificando todas as suas outras necessidades, a fim de não morrer. Energia -neste artigo focaremos nos combustíveis fósseis- é, portanto, um bem de demanda absolutamente inelástica em relação ao preço. O que significa isso no jargão da microeconomia? Trocando em miúdos significa que se o fornecedor aumentar o preço, aumenta o lucro, com a demanda reduzindo em menor proporção que o aumento do preço, ou seja, quem vende a energia, se puder fazê-lo, vai aumentar quase que indefinidamente o preço porque o aumento do preço resultará em aumento da receita e de lucros. O mesmo não acontece com um fornecedor de picolés, por exemplo, mesmo que seja monopolista, porque logo esbarrará em um limite no qual um aumento de preços não significará aumento de lucros e nem de receita, pelo contrário, irá reduzi-los. Isso acontece porque picolés não são bens essenciais para a economia, portanto sua demanda não é inelástica, ao contrário, é bastante elástica em relação ao preço.

Como a economia depende da energia para funcionar, quanto mais barata e abundante esta for, mais irá prosperar. Baseada nessa premissa, os astrofísicos criaram uma escala, a escala de Kardashev, em que definem o grau de desenvolvimento de civilizações alienígenas, caso detectadas, pela quantidade de energia que produzem e processam. Quanto mais desenvolvida a civilização, mais energia irão produzir e processar. O mesmo vale para as nações deste planeta, energia abundante e barata é essencial para a economia se desenvolver, gerar renda e empregos, de forma contrária, quanto mais cara for, mais difícil será o seu crescimento, criando muitas vezes um quadro recessivo. Como exemplo dos entraves criados pela energia cara, em se tratando de combustíveis, o ponto mais importante a ser notado é seu impacto sobre a cadeia logística do Brasil. Nosso país é extenso e tem um relevo bastante difícil, especialmente nas áreas mais densamente povoadas. Esse aspecto encarece bastante a logística interna. A construção de ferrovias ou rodovias são muito mais custosas aqui que em países planos como os EUA. Depois de construídas, a operação nessas vias é igualmente mais custosa, por isso se consome muito mais energia para transportar uma carga do Rio de Janeiro para São Paulo, por exemplo, do que de Washington para Nova York, nos Estados Unidos, que tem distância similar. Por ser de construção mais simples que as ferrovias em nosso relevo, a cadeia logística nacional acabou sendo dominada pelas rodovias. Não precisa ser economista para imaginar o papel preponderante que tem o custo dos transportes na atividade econômica, um transporte mais caro impacta diretamente o preço dos bens que estão sendo transportados e, indiretamente, o preço de todos os bens e serviços. Com os produtos custando mais, a demanda é inibida e, consequentemente, a produção é reduzida. Enfim, toda a cadeia produtiva nacional se torna mais cara, as pessoas compram menos e muitos vão perder o emprego, tudo porque se paga mais para o transporte, mas o ganho por este aumento dos preços não fica com o transportador, ele é mais uma vítima nesta cadeia, o ganho vai para a empresa de combustíveis, a Petrobrás, que poderia estar vendendo por menos e ainda lucrando muito, como foi no passado e como veremos adiante.

O maior gasto energético de nosso país é justamente com o transporte. Com isso, o preço do óleo Diesel, por ser o combustível padrão das frotas de caminhões e das locomotivas diesel-elétricas, têm papel preponderante na formação dos custos da logística nacional. Outros combustíveis como a gasolina embora não sejam tão relevantes na cadeia logística de bens, são relevantes para o transporte de pessoas e de grande impacto na renda da classe média. Com gasolina mais barata as pessoas utilizam mais seus veículos, sobra renda para consumir em supérfluos, como ir a restaurantes e hotéis, desgastam mais seus veículos, que vão precisar de serviços mecânicos, trocá-los com mais frequência, aumentando a demanda da indústria etc. Podemos passar páginas e mais páginas citando exemplos de como o custo alto dos combustíveis é nocivo para a saúde econômica de um país, mas acho que a essa altura o leitor já tem ciência disso.

O gráfico a seguir ilustra a matriz energética brasileira, publicado em 2021 e relativo ao ano de 2020. A fonte é a Empresa de Pesquisa Energética, do Governo Federal.

É de notar que a maior parcela da energia utilizada pelo país é oriunda do petróleo e seus derivados que, juntamente com o gás natural, é responsável por 45% de toda a energia consumida no país. Com isso, temos a dimensão da importância econômica dos preços ditados pela Petrobrás sobre a matriz energética nacional. Já o pictograma que se segue ilustra qual o destino desta energia produzida, como essa produção é demandada pelos diversos setores da economia.

A maior demanda de energia é feita pelo setor de transportes, dominado pelo modal rodoviário, que carrega 61,1% das cargas, seguido do ferroviário com 20,7% e navegação com 13,6%. Esses três modais representam, portanto, mais de 95% de toda a carga transportada no país.

Poucos países no planeta produzem petróleo e gás em quantidade suficiente para atender as suas próprias necessidades. Há uma minoria de países que produzem em grande quantidade, muito maior que suas necessidades, e estes abastecem o planeta. Percebendo a importância energética do petróleo, estes poucos países exportadores criaram, na década de 60 do século XX, um verdadeiro cartel internacional, a OPEP, com o intuito de manipular o preço do petróleo. Desta forma, os países produtores aufeririam ganhos muito maiores do que estavam obtendo em um mercado concorrido. A criação desta condição artificial de mercado foi bem-sucedida e o mundo conheceu, em 1973, o primeiro choque adverso de oferta do petróleo, que ficou conhecido como “A Primeira Crise do Petróleo”. No início de 1973 o barril estava cotado em cerca de US$ 3, no final deste ano já se encontrava cotado em US$ 12. A OPEP demonstrou sua força.

Esta crise promoveu a redução do crescimento econômico mundial, acelerando as taxas de inflação globais e afetou fortemente o Brasil, que começou a ter um declínio nas suas taxas de crescimento, marcando o início do fim do período conhecido como “milagre econômico”, cujo auge foi entre 1968 e 1973. Sobreveio um desajuste nas contas externas e o déficit do balanço de pagamentos em conta corrente acumulado de 1974 a 1979 chegou a U$ 40 bilhões, resultando em um endividamento externo de mais de US$ 50 bilhões em 1979. Mas a situação sempre pode piorar, neste ano de 1979 ocorreu o segundo choque adverso de oferta do petróleo, provocado por membros da OPEP, com a revolução no Irã, seguido pela guerra Irã-Iraque, elevando o barril para US$ 30. Este fato originou a crise de estagflação que afligiria o país durante toda a década de 80 até meados da década de 90 do século passado.

As duas crises do petróleo mostraram ao Brasil, e ao mundo, o estrago que os altos preços do petróleo poderiam causar às economias dos países que não fossem autossuficientes na sua produção. Apenas uns poucos, notadamente os membros da OPEP, se enriqueciam com os preços elevados. Como resposta o Brasil deu início a um ambicioso plano de autossuficiência, englobando não só a produção do petróleo em si, mas toda a cadeia produtiva, incluindo transporte, refino e até distribuição. A crise criou a consciência de que petróleo acessível é estratégico e fundamental para o desenvolvimento econômico e bem-estar da população.

Fonte: Statista (www.statista.com)

O gráfico acima ilustra a evolução do preço do barril de petróleo de 1960 a 2000. Nele podemos observar o choque de 1973 e o de 1979, bem como a redução do preço durante a década de 80. A OPEP “errou na mão” e alguns dissidentes, exportadores de petróleo, resolveram aumentar a sua cota de produção. Mas a despeito da queda dos preços no mercado externo, substancial a partir de 1985, a Petrobrás continuou cobrando, neste período, preços superiores aos praticados pela OPEP no mercado externo. A justificativa dada pelas autoridades era de que o Brasil precisava financiar a campanha exploratória da Petrobrás para que o país não ficasse mais exposto aos choques adversos de oferta e a suas graves consequências para a economia e, por óbvio, para o povo brasileiro. E a Petrobrás foi muito bem-sucedida, um caso único no mundo de um país que importava mais de 80% do petróleo que consumia em 1973 e passou a ser autossuficiente 30 anos depois, o slogan “O Petróleo é Nosso” havia se concretizado. Foi construída uma fantástica estrutura de exploração, produção, transporte, armazenamento, refino e distribuição.

Essa autossuficiência permitiu que a Petrobrás fosse lucrativa, financiasse seus investimentos e viesse a praticar preços inferiores ao mercado internacional quando necessário, apesar da destrutiva estrutura tributária do país sobre a energia.

Graças à autossuficiência adquirida, o Brasil passou virtualmente incólume pelo choque do petróleo de 2008 e 2012 porque a Petrobrás praticou e veio praticando preços significativamente menores que os ditados pelo cartel da OPEP. E o fez porque podia, porque seus custos são muito inferiores aos preços internacionais e vêm caindo cada vez mais com o sucesso dos campos do pré-sal. Este baixo custo permitiu margem capaz de financiar o enorme volume de investimentos necessários não só para manter, mas para ampliar suas capacidades e ainda distribuir gordos lucros aos acionistas.

Fonte: Statista (www.statista.com)

Este gráfico mostra o vertiginoso aumento de preços do petróleo em 2008 e em 2012, época em que a Petrobrás manteve seus preços internos inferiores aos internacionais. Foi também graças a esta política de preços baseada em seus custos, e não pelo “preço de paridade de importação”, que a economia brasileira cresceu, em 2008, de acordo com o IBGE, 5,2%, enquanto a maioria dos países do planeta estava mergulhando em recessão. Nesta época o Brasil soube tirar vantagem da condição de exportador de commodities, aproveitou o preço alto destas no exterior, mas segurou internamente o preço dos combustíveis fósseis, fazendo a Petrobrás cumprir a sua função econômica para o país. Mesmo em 2012 a economia cresceu 0,9%, ante 2,7% em 2011 e 7,5% em 2010. Este crescimento ocorreu diante de um cenário econômico bem mais degradado, com descontrole do governo sobre as contas públicas e o exagerado aumento do custeio da máquina administrativa do estado, sacrificando a sua capacidade de investimento.

Podemos creditar o crescimento econômico de 0,9% em 2012 majoritariamente à correta administração dos preços da Petrobrás que, a despeito dos enormes esquemas de corrupção posteriormente revelados pela Lava Jato, se manteve muito lucrativa e investindo pesadamente. De fato, em 2008, apesar de ter seus preços internos bem abaixo dos internacionais, a Petrobrás apresentou um lucro até então recorde de R$ 34 bilhões. Ainda nesse ano a produção aumentou 4% em relação a 2007, atingindo 2,4 bilhões de barris, sendo 1,98 bilhão de barris de óleo equivalente de petróleo e 420 milhões de gás natural. Já em 2012, outro ano cujos preços internamente praticados pela Petrobrás foram significativamente inferiores ao preço internacional, o lucro líquido foi de 21,18 bilhões.

Como também pode ser percebido no gráfico, em 2021 e início de 2022 houve outra disparada dos preços do Petróleo, mas desta feita a Petrobrás utilizou internamente o tal “preço de paridade de importação” (PPI) que se baseia em preços praticados no exterior e adiciona ainda supostos custos de internação do petróleo, que acrescem mais de 20% ao preço do petróleo ditado pela OPEP. É isso mesmo, a Petrobrás extrai o petróleo aqui no Brasil, com custos majoritariamente em Reais, mas, para definir seu preço ela “faz de conta” que compra o petróleo no Texas, traz de navio petroleiro e inclui neste preço de custo fictício todas as taxas e os custos de frete, movimentação, armazenamento e serviços associados. Até mesmo um inacreditável adicional de uma inexistente “margem de risco” é contabilizado. Esta política de preços somente é possível porque a Petrobrás tem no Brasil a posição de um oligopolista dominante que, pela sua franca dominância do mercado tem a força de um monopolista, praticando preços ditados por um cartel internacional, a OPEP, acrescidos ainda de fictícios custos de internação.

Pois bem, utilizando esta métrica da PPI, inaugurada em 2016 quando a Petrobrás foi presidida por Pedro Parente, os combustíveis experimentaram um abusivo aumento de preços em 2021, que em muito prejudicaram a retomada econômica pós pandemia, basta ver que em 2021 a economia cresceu apenas 4,6%, um número que é muito baixo se levarmos em conta que em 2020 regrediu 3,9%, ou seja, no acumulado do biênio o crescimento foi de apenas 0,5% (e não de 0,7%). Basicamente retomou a capacidade já instalada, os “fornos” que já existiam e ficaram desligados em 2020, voltaram a ser ligados em 2021. Em 2008, quando a Petrobrás não incorporou os aumentos externos do petróleo, a economia cresceu 5,2%, e sobre a base de 2007, em que ela já havia crescido 6,1%, resultando em um crescimento acumulado no biênio de 11,62%!!! Em 2009, com o planeta na mais profunda recessão desde a grande depressão dos anos 30, a economia brasileira encolheu também, mas em apenas 0,2%. Em 2010 o Brasil retomou para um fantástico crescimento de 7,5%. Não há nenhuma dúvida de que um dos fortes pilares desta recuperação foram os preços de combustíveis então praticados pela Petrobrás, bem abaixo daqueles da OPEP. Ao final, o Brasil foi um dos países do mundo que menos sofreu com a recessão que assolou o planeta àquele tempo.

Muito se diz que àquela época a Petrobrás acumulou prejuízos, não é verdade, a Petrobrás investiu e lucrou. Em 2008 teve lucro líquido recorde de R$ 33 bilhões, em 2009 apresentou lucro de R$ 29 bilhões, em 2010 outro lucro recorde de R$ 35 bilhões, em 2011, 2012 e 2013 também apresentou lucros significativos. Os problemas em relação aos resultados começaram em 2014, ano em que um erro crasso foi cometido: o governo passou a usar a empresa para subsidiar o preço dos derivados de petróleo, abandonando a métrica que levava em conta seus custos. Não iremos entrar aqui no mérito da enorme rede de corrupção que assolou a Petrobrás, porque ela já existia anteriormente, o problema chave em 2014 e 2015 não foi a corrupção, foi o uso da Petrobrás para subsidiar os preços dos derivados de petróleo com a finalidade de amenizar o quadro recessivo que estava se instalando, tanto por conta da queda das commodities quanto pela pela fragilidade da estrutura econômica nacional e incapacidade de investimento governamental. O gráfico que se segue ilustra, ano a ano, o lucro líquido apresentado pela empresa na última década.

Observemos que anteriormente a 2014 a Petrobrás vinha cumprindo a função econômica para a qual se destina: a de fornecer energia química a preços justos, protegendo a economia nacional dos choques externos do petróleo, mas ainda assim investia na sua expansão e gerava altos lucros a despeito, como já dissemos, da enorme corrupção, o que implica em dizer que devidamente administrada e eliminados os esquemas que lesavam a empresa, ela teria o potencial de praticar preços ainda inferiores e manter os mesmos lucros e investimentos.

O erro de causar prejuízos à empresa para subsidiar os derivados de petróleo custou muito mais caro ao Brasil do que se imagina, porque como antítese a este erro, outro muito maior, em termos macroeconômicos, foi cometido: a adoção do “preço de paridade de importação” (PPI) para balizar os preços da Petrobrás. A nova gestão, que se instalou na empresa em 2016, optou pelo atalho mais fácil: abusar do poder de oligopolista dominante, na prática um monopolista, para reverter os prejuízos da empresa simplesmente impondo um alto preço de seus produtos para a sociedade brasileira, o praticado pela OPEP, acrescido, ainda, como vimos, dos fictícios custos de internação, prática iniciada em outubro daquele ano. Um atalho muito fácil e cômodo quando se trata de um monopolista de energia, mas pouco se importando com a finalidade estratégico-econômica da empresa para o Brasil, finalidade que norteou os investimentos na empresa. Para maximizar os lucros foi iniciado, ainda, um verdadeiro programa de desmonte da estrutura verticalizada que tanto tempo e recursos custou para ser construída. O programa de desinvestimento lançado pela Petrobrás visa se livrar de ativos, muitos dos quais embora sejam estrategicamente importantes para a economia, não são lucrativos o suficiente. A missão da Petrobrás passou a ser gerar o maior lucro possível, alheia aos interesses nacionais. Tornou-se um verdadeiro integrante da OPEP dentro do Brasil, aderiu ao monstro que foi criada para combater (os investimentos em busca da autossuficiência visavam a independência aos preços internacionais) o slogan “o petróleo é nosso” passou a valer somente para a Petrobrás, não para o povo brasileiro.

E se o objetivo é apenas ter lucro, está sendo muito bem-sucedida, em 2021 teve o lucro recorde de R$ 106,7 bilhões, à custa de todo restante da sociedade e da economia brasileira. E o que vai fazer com este lucro? Uma reserva para investimentos? Não, dos 106,7 bilhões a Petrobrás destinou nada menos que R$ 100,7 bilhões a dividendos!!! Isso não tem nenhum sentido econômico, massacrou a economia brasileira para transformar tudo em uma mera distribuição dos lucros ao melhor estilo de um perdulário “petro-sultanato”, mas com uma diferença fundamental: os grandes exportadores de petróleo sabem o quanto é nocivo para suas economias os altos preços dos derivados, por isso praticam internamente preços muito menores dos que os que usam para exportar. No Brasil é o contrário, a Petrobrás vende para a Refinaria de Mataripe, por exemplo, petróleo a um preço maior do que exporta porque, como vimos, a Petrobrás “faz de conta” que importa todo o petróleo que vende no Brasil, então inclui neste custo fantasioso os fictícios custos de internação, ao passo que, quando exporta estes custos fictícios não existem. A verdade é que a Petrobrás exporta petróleo por preço substancialmente menor do que vende ao mercado interno. E exporta muito, o petróleo já é o terceiro colocado na pauta de exportações, atrás da soja e do minério de ferro e segundo item, na pauta de exportações para a China.

Vender mais caro ao mercado interno do que ao externo é, certamente, um caso único no mundo entre os grandes produtores de petróleo. Vejamos, por exemplo, o preço, na bomba, da gasolina, do diesel, e do gás praticados internamente em alguns dos grandes produtores mundiais segundo a consultoria especializada, Global Petrol Prices (www.globalpetrolprices.com). Em 11 de abril de 2022 gasolina brasileira custava US$ 1,53 por litro, na mesma data, na Rússia, país em guerra, custava US$ 0,43, menos de 1/3 do preço brasileiro, no Kwait, outro grande exportador, US$ 0,34, no Qatar, US$ 0,57, na Arábia Saudita, US$ 0,62, no Irã é US$ 0,05, isso mesmo, 5 centavos de dólar. Vejamos o caso do Diesel, que na mesma data custava no Brasil US$ 1,41 por litro, na Rússia custava US$ 0,44, no Kwait, US$ 0,34, no Qatar, US$ 0,56, na Arábia Saudita, US$ 0,16, no Iran, US$ 0,01. Para o gás, no Brasil temos o preço de US$ 0,20 por kWh, na Rússia, US$ 0,005, MEIO centavo de dólar americano por kWh, 40 vezes mais barato que o gás no Brasil; no Kwait, US$ 0,03, no Iran, US$ 0,001 (um décimo de centavo de dólar dos EUA) e mesmo na Argentina, é menos de 1 centavo de dólar por kWh.

A Petrobrás vem focando na exportação e deixando o abastecimento com combustíveis, cada vez mais na mão da ABICOM, associação que reúne os importadores independentes de combustíveis. Esta prática consolida o Brasil como neocolônia econômica do século XXI, exportando o primário, o petróleo cru, para importar o elaborado, os combustíveis. Hoje as refinarias nacionais estão com ociosidade recorde, e crescente. E por que isso? Porque o custo de extração da Petrobrás está cada vez menor, o custo de produção do petróleo no pré-sal já está abaixo dos USD 2 (dois dólares) por barril, de onde já sai mais de 70% da produção. A atividade mais lucrativa para ela é extrair o petróleo e vendê-lo cru, sem refino. Até a Transpetro não interessa mais, está sendo desmontada.

Para manter esta prática atual são diversas as alegações falaciosas criadas, a primeira e mais corriqueira é a de que o petróleo brasileiro possui especificações que o tornam, em grande parte, incompatível com as refinarias da Petrobrás, por isso ela precisaria exportar o petróleo e deixar a importação de combustíveis para os importadores independentes. Não é fato, ademais trata-se de um insulto à inteligência, ainda que mediana, como a deste articulista. Primeiro porque no passado o parque nacional refinava praticamente 100% do petróleo brasileiro, como de uma hora para outra as refinarias começaram a ficar “incompatíveis” se a qualidade do petróleo do pré-sal é excelente e se assemelha mais ainda ao óleo anteriormente importado? Segundo, porque, ainda que fosse verdade bastaria à Petrobrás “trocar” pelo petróleo compatível com as refinarias, exportando o que produz e importando o compatível. Essa troca sairia, a grosso modo, “elas por elas”, sem necessidade de importar os combustíveis refinados.

Outra alegação repetida aos quatro ventos ultimamente é a de que o Brasil não tem capacidade de refino para atender o mercado interno. Vejamos, em 2014 as refinarias nacionais produziram 181,6 milhões de barris de gasolina, que acrescidas com o álcool anidro (27% da mistura), chegamos a 248,76 barris de gasolina. Em 2021 o mercado brasileiro consumiu, no total, 247,2 milhões de barris de gasolina já diluída em álcool, portanto menos do que foi produzido em 2014! Em relação ao Diesel, que é economicamente o principal combustível fóssil para o país, em 2014 as refinarias brasileiras produziram 314 milhões de barris, de lá para cá a Refinaria de Pernambuco, aumentou a capacidade de produção em cerca de 45 milhões de barris, contando com o segundo trem suspenso pela Petrobrás. Logo, hoje a capacidade de refino nacional do diesel estaria em cerca de 360 milhões de barris por ano, ao passo que o consumo interno em 2021 foi de 343 milhões de barris! Portanto, caso sejam necessárias importações, essas são marginais e pontuais, facilmente diluídas no custo da empresa com impacto virtualmente nulo sobre os preços finais.

Graças aos pesados investimentos na Petrobrás, financiados no passado pelo povo brasileiro, com o objetivo da autossuficiência, o Brasil ingressou no século XXI como uma nação privilegiada, uma das poucas no planeta capaz de produzir a baixo custo toda a energia química derivada do petróleo que necessita para sustentar sua economia. Por haver riscos e custos incompatíveis com a capacidade de investimento privado brasileiro, principalmente por necessitar de uma campanha exploratória feita majoritariamente feita em alto mar, a empresa responsável por este êxito, é estatal, uma sociedade de economia mista, que atende aos ditames do artigo 173 da Constituição Federal. E por ser uma empresa estratégica, o controle estatal dos preços é um risco inerente. Aliás, risco a qualquer empresa de energia em todo o mundo.

O próprio artigo 173 da Constituição prevê, em seu parágrafo 4º, o seguinte: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise… ao aumento arbitrário dos lucros”. E aumento arbitrário dos lucros, à custa de toda a economia nacional, é o que a Petrobrás vem praticando. O mais lamentável é que este aumento arbitrário é assimétrico, porque economia não é um jogo de soma zero. O que isso significa? Significa que o lucro da Petrobrás – e o abusivo aumento de receita dos estados com os impostos – não refletem a perda da economia nacional. O custo para economia em perda de renda efetiva ou potencial foi incomensuravelmente maior que os ganhos da Petrobrás e estados com o aumento da arrecadação. Quando alguém aposta R$ 100 no resultado do jogo de futebol, é um jogo de soma zero, o vencedor fica mais rico em R$ 100 e o perdedor mais pobre no mesmo montante. Mas em se tratando de bem essencial à economia, a mudança na estrutura de preços relativos provocado por um aumento no custo de energia, causa uma perda à economia maior do que o aumento de receita auferido pela companhia de energia e tributos relacionados, isso porque todo o potencial de crescimento da atividade econômica, e consequentemente da renda, é reduzido.

Para continuarmos no campo legal, a prática de cartel é crime tipificado no art. 4.º da Lei 8.137/1990, modificado pela lei  12.529/2011 e, em 2021, a quinta turma do Superior Tribunal de Justiça divulgou entendimento de que “cartel é espécie de crime contra a ordem econômica que configura-se com o abuso do poder econômico com o fim de dominar o mercado ou de eliminar a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas ou com a formação de acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes para fixar artificialmente preços ou quantidades vendidas ou produzidas, controlar o mercado regional por empresa ou grupo de empresas ou controlar, em detrimento da concorrência, rede de distribuição ou de fornecedores”. Ora, se é crime no Brasil a prática de cartel, porque a adesão da Petrobrás aos preços ditados por um cartel internacional é defendida por muitos? Qual a lógica deste raciocínio?

A lei federal 9.478, a lei que criou a ANP, em seu artigo 1º define que:

“As políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visarão aos seguintes objetivos:

I – preservar o interesse nacional;
II – promover o desenvolvimento…;
III – proteger os interesses do consumidor quanto a preço, qualidade
e oferta dos produtos”.

Ademais, embora a lei 9.478 tenha permitido que toda a atividade relacionada ao petróleo, do refino à bomba, possa ser executada por empresas privadas mediante concessão, ela não extinguiu com o monopólio da União, que, desta forma, detém o controle técnico e econômico, devendo intervir nas concessionárias quando necessário, de forma a disciplinar as suas práticas para que estas atendam aos interesses nacionais, previstos tanto na Constituição Federal como nas demais leis.

Ainda nos referindo à legislação, vamos falar rapidamente de outro ponto que foi apenas tangenciado ao longo desse texto: os tributos sobre energia. Infelizmente a Constituição Federal deixa a encargo de estados a definição das alíquotas de ICMS sobre energia, e as do Brasil são as mais abusivas do planeta. Assim, ao mesmo tempo que o Brasil tem uma fantástica e barata matriz energética, o que seria um fator preponderante para o crescimento econômico, esta energia chega cara na ponta do consumo, porque os tributos são os mais abusivos do planeta, especialmente os definidos por governos estaduais que não têm o menor compromisso macroeconômico. Deixar a definição da tributação dos combustíveis, bem essencial e inelástico, ao arbítrio dos governos estaduais é um verdadeiro suicídio econômico.

Por fim, a adesão da Petrobrás ao PPI acabou por dar vida à ABICOM, associação que reúne os importadores independentes de combustíveis. Com o tempo esses importadores cresceram e a associação que os representa tornou-se poderosa. São um dos poucos grupos, além da própria Petrobrás, que se beneficiam de tal política preços. Eles dependem dos preços altos praticados pela Petrobrás, incluindo os fictícios custos de importação, para sobreviverem. Com isso a ABICOM criou um lobby influente. Esse lobby atua pesadamente no congresso e sobre membros do executivo. São empresas que não existiriam se a Petrobrás não adotasse o PPI.

A ABRADIN – Associação Brasileira de Investidores- entende que o abusivo lucro apresentado pela Petrobrás, em função da sua política de preços, e o abandono da função econômica para a qual foi criada, bem como os escorchantes impostos aplicados na circulação dos combustíveis, está prejudicando enormemente a maioria de seus associados, na medida em que o ambiente macroeconômico nacional é prejudicado. Portanto, a maioria das empresas de capital aberto nas quais seus associados possuem participação, estariam em situação econômica muito melhor, gerando renda e lucros e, consequentemente, dividendos para seus associados, se a Petrobrás voltasse a cumprir sua função econômica e abandonasse a definição de seus preços pela política de paridade de preços. Afinal, o que é chamado de “mercado internacional” de petróleo, está longe de ser um mercado de concorrência perfeita, pelo contrário, é um mercado dominado por um cartel cuja política de preços já levou o mundo, e o Brasil, a enormes crises econômicas.

(*) Aurélio Valporto é Economista e presidente da Associação Brasileira de Investidores (ABRADIN)